O
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA ... QUEM DIRIA!
*Percival
Puggina
Não é que o CFM decidiu recomendar ao Senado Federal a ampliação dos
casos em que o abortamento não é punido? Tais excepcionalidades, propôs o
Conselho, passariam a abranger, também, os realizados em gestações que não
tenham alcançado o 12º semana.
Quer dizer, doutores, que até o 12º semana o feto é coisa descartável,
que se extrai como uma verruga ou um fecaloma? Sabiam que o anteprojeto para o
novo Código Penal, que os senhores querem estragar ainda mais, pretende pôr na
cadeia por até quatro anos quem modificar um ninho de ave? Sabiam que existem
leis no Brasil que impõem sanções a quem meter a mão no ambiente natural onde
determinadas espécies se reproduzem ou cuidam de seus filhotes? Um canto de
mato, uma beira de lagoa, um trecho de praia, funcionam como úteros da natureza
e ganham proteção legal. Em contrapartida, na ótica dos médicos do CFM, o
nascituro, o humano nascituro porque outra natureza jamais lhe advirá, este pode
ser, no útero materno, objeto de suas tesouras e aspiradores. Foram necessários,
segundo li, dois anos de doutas confabulações para que os membros do CFM
chegassem a tamanho despropósito.
Certa feita, num programa de tevê, debatia-se sobre legalização do
aborto. Participava do debate um conhecido médico de Porto Alegre que defendia a
tese ora aprovada pelo Conselho de sua categoria. Num dado momento, pedi ao
mediador que exibisse as fotos da menina Amillia Taylor, nascida com 284 gramas
de peso num aborto espontâneo. Perguntei então ao médico se ele seria capaz de
arrancar aquele ser aos pedaços do útero da mãe. O médico olhou-me com
constrangimento e, diante das câmaras, viu-se obrigado a ser sincero - "Eu não!".
O que mais me estarreceu, nesta manifestação do CFM, foi que, pelas
palavras do seu presidente, o órgão "defende a plena autonomia da mulher de
levar uma gestação adiante". Credo! Essa sequer é uma lógica médica, mas
jusfilosófica, e de péssima vertente. Lógica de lobo. Quero porque quero.
Atribuíram à mulher uma concepção abusiva do direito de propriedade - "faço o
que bem me apraz com o que me pertence, doa em quem doer". Raros liberais
afirmariam isso com igual convicção porque contradiz elementares noções de
justiça. No caso do abortamento voluntário, o que antes era precária filosofia,
vira puro sofisma: se o corpo da mulher a ela pertence, o do feto pertence ao
feto porque ele é um inteiramente outro. E na maior parte dos casos até nome
próprio já tem.
"O sistema nervoso central ainda não se formou, na 12ª semana de
gravidez", prosseguiu o doutor presidente procurando justificar o
injustificável. É verdade, doutor, o sistema nervoso central não se formou, mas
outros órgãos já funcionam, o coração já bate há muito tempo e está na natureza
do feto que todos os demais venham a aparecer. Uma semana depois, na 13ª, já se
pode saber se ele é do sexo masculino ou feminino.
Remover do CD player, aos primeiros acordes da 9ª Sinfonia de Beethoven,
o CD em que foi gravada, não autoriza afirmar que a fascinante composição
não esteja ali, inteira e bela, até os últimos acordes.
_____________
* Percival Puggina (68) é arquiteto,
empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas
de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.
Recebido por e-mail.
Nenhum comentário:
Postar um comentário