EM DEFESA DO ÚLTIMO BASTIÃO DO NACIONALISMO: A ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA *
ANTONIO CELENTE VIDEIRA * *
Nesta casa, estuda-se o destino do Brasil, para melhor servi-lo.
(Mal. Humberto de Alencar Castelo Branco)
Os meus deslocamentos para Brasília, a serviço, deixaram-me estupefato diante dos comentários desairosos sobre a nossa Escola Superior de Guerra (ESG). Dentre os absurdos, segundo a minha ótica, destaco:
– a ESG está ultrapassada e não serve para mais nada;
– o Método de Planejamento Estratégico da ESG parou no tempo e no espaço;
– a ESG no Rio de Janeiro está deslocada. Urge a sua transferência para Brasília, a fim dos políticos fazerem seus cursos.
Paro por aqui para não me alongar, mas digo que são produções infundadas, não se sustentando com cinco minutos de diálogo, se confrontadas com as reflexões dos que conhecem e vivem a ESG e pensam diferente.
Refutação da afirmação de que a ESG no Rio de Janeiro está deslocada, por isso urge a sua transferência para Brasília para os políticos fazerem seus cursos
Voltando à nossa ESG, fiquei constrangido quando alguém me disse que com a ESG vindo para Brasília, nossos políticos voltariam a fazer parte do seu Corpo de Estagiários. Esta é uma afirmação tão infantil que dá para perceber a falta de largueza perceptiva.
Onde já se viu o político atual deixar de participar da “festinha junina” do interior do seu estado no Norte ou no Nordeste para assistir aulas de Cratologia (estudo do Poder) ministrada pela ESG? Se Brasília é hoje local para sediar a ESG, por que, aproximadamente, há dez anos, não acontecem Ciclos de Estudos de Política e Estratégia (CEPE) na Delegacia da ADESG da Capital Federal? Por que o GETRAM (Gerência Executiva de Transporte e Mobilização), um excelente Curso de Logística de Transporte, ministrado pelo Exército Brasileiro, em parceria com a Faculdade da Terra, não foi para frente? Qual o motivo que influenciou a não permanência do antigo Curso Intensivo de Mobilização Nacional (hoje Curso de Logística e Mobilização Nacional – CLMN) em Brasília, funcionando naquela cidade no curto período de 1982 a 1986, a retornar para a ESG em 1993?
Essas são questões que não se calam e não podem ficar fora do estudo do processo decisório (se é que vai haver) sério para remoção de uma Escola como a nossa.
Refutação da afirmação de que a ESG está desatualizada e inútil
Por outro lado, quer queira ou não, o Rio de Janeiro é ainda o Centro Cultural do Brasil, gozando a ESG o privilégio de estar nas proximidades da Academia, isto é, recebendo conferencistas de universidades do próprio Rio de Janeiro, Minas gerais, São Paulo e, até mesmo, de Brasília, a menos de uma hora e meia de vôo.
Em contrapartida, Brasília, uma cidade altamente politizada, vai desconfigurar o último "bastião" onde se estuda o Brasil, entre civis e militares, de forma isenta e imparcial. A Escola de Estado vai se transformar em Escola de Governo. Substituir-se-á um aprazível local, com tradição, nascedouro do Rio de Janeiro, com a chegada de Estácio de Sá, por instalações frias, ilhadas pelo sentimento público fantasioso que não retrata, graças a Deus, os verdadeiros anseios do povo brasileiro. Em suma, trocar-se-á a cidade maravilhosa, decorada com os encantos da natureza, pelo arrroubo da urbe empedrada, contendo, na intangibilidade de suas linhas arquitetônicas, a insipidez dos interesses grupais.
Se a ADESG de Brasília não promove CEPEs há dez anos, a ESG, “sediada no Rio de Janeiro”, projeta o seu braço na Capital Federal, através do Curso de Gestão de Recursos de Defesa (CGERD), produzindo elevados elogios, a partir de oficiais das três Forças Singulares e civis de repartições públicas que tiveram o privilégio de freqüentarem suas aulas e palestras por prestarem serviço em Brasília. O fato do CGERD estar dando certo em Brasília é porque, no seu bojo, guarda a mística do método de ensino da ESG forjado por ícones como os Marchais Oswaldo Cordeiro de Farias, Juarez Távora, César Obino, Desembargador Antonio de Arruda e tantos outros abnegados pela causa “esguiana”.
A evolução desse método, em sincronia com o comportamento do mundo atual, deve-se à dedicação do seu Corpo Permanente, ao qual tenho a honra de pertencer e que, sem alardes, pesquisa e se atualiza, procurando fazer o melhor, não obstante os óbices naturais da Administração Pública.
Quanto ao inconsistente argumento sobre a desatualização do conteúdo programático, não sei de onde isto está vindo. A ESG é parceira da COPPEAD, quando todos os seus cursos têm professores, além dos brilhantes membros do Corpo Permanente, os daquela Instituição, cujo posicionamento é destaque em excelência de Gestão Estratégica no Brasil e no mundo. A COPPEAD, desde 2001, por seis vezes, no Ranking Anual do Financial Times, está classificada entre os 100 melhores programas de MBA do mundo e posiciona-se entre os 12 programas de pós-graduação em Administração da América Latina, segundo a revista chilena América Economia.
Com a Universidade Federal Fluminense (UFF), está-se buscando uma parceria, em fase final de concretização, na área de Defesa. Aliás, no Segundo Simpósio de Defesa, realizado no período de 15 a 18 de julho do corrente, pela Associação Brasileira de Estudo de Defesa (ABED), na UFF, com a participação das escolas militares de Altos Estudos, de Aperfeiçoamento e de Formação das três Forças Singulares, além de diversas universidades do Brasil, representadas por professores e mestrandos, lá estava a ESG, com alguns de seus professores, todos também doutores e mestres, formados por centros de excelências em pesquisa. Suas apresentações temáticas foram alvo dos mais efusivos elogios proferidos por oficiais da Aeronáutica, todos meus ex-cadetes, destacando-se esses professores como superiores, em profundidade e em objetividade, em relação aos demais que lá naquele simpósio também se apresentavam.
Por conseguinte, não consigo entender por que flui a conversa de termos um Corpo Permanente despreparado. Se forem levantadas as qualificações dos membros do Corpo Permanente, verificar-se-á que a grande maioria possui mestrado e doutorado, reconhecidos pela Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES). Além disso, existe uma intensa produção de artigos em periódicos diversos e participação em simpósios e congressos, denotando a ESG ser possuidora de excelente “capital intelectual”.
Outra parceria que a ESG tem é com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), cujos beneficiários são os estagiários dos Cursos de Gestão de Recursos de Defesa (CGERD), Logística e Mobilização Nacional (CLMN) e Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE). Afora isso, existe forte relacionamento com escolas congêneres à nossa, através de protocolos de intenções e de cooperações, com países como China, África do Sul, Angola, Chile, Estados Unidos, Colômbia, Namíbia, Peru, Portugal, Uruguai e Espanha, além de receber comitivas de nações como França, Inglaterra, Singapura, Coréia do Sul e tantas outras e lá também comparecendo com as nossas, travando intensa troca de experiências com o mundo, de uma maneira geral, em assuntos de estudos relacionados à geoestratégia, defesa, segurança, economia e outros. Então, não vejo onde estar deslocado em relação aos demais Institutos de Altos Estudos espalhados pelo mundo.
Refutação da afirmação de que o Método de Planejamento Estratégico da ESG parou no tempo e no espaço
Por fim, é vergonhoso falar que o nosso Método de Planejamento Estratégico está ultrapassado. Cabe aqui mencionar, como algo interessante nesta discussão, que não se faz qualquer tipo de crítica quanto ao Estudo de Estado-Maior ou ao Exame de Situação, ambos ministrados nas três Escolas de Altos Estudos das nossas Forças Singulares.
Mas, quanto ao nosso Método, não - este seria antiquado. Ora, além do Estudo de Estado-Maior e do Exame de Situação, tive a oportunidade de estudar outros, quando fiz o Mestrado em Gestão e Tecnologia. A análise SWOT (Strengths-Força; Weaknesses-Fraqueza; Opportunities-Oportunidade; Threats-Ameaças), o método Analytic Hierarchy Process (AHP), a Pesquisa Operacional (PO), a Decision Support System (DSS), o Jogo de Empresa, a Análise Multicritério, utilizando, em alguns casos, o aplicativo informatizado “promoden”, como uma ferramenta de simulação, indicando soluções ótimas, tudo em cima de autores como Michael Pidd, Tamio Shimizu, Max H. Bazerman, Luiz Flávio Autran Monteiro Gomes e outros expoentes do estudo da Propedêutica e da Heurística.
Em nenhum momento, percebi inferioridade no Método de Planejamento Estratégico da ESG. Pelo contrário, o nosso Método, com o auxílio da ferramenta PUMA, é, sobremaneira, objetivo, elucidativo e amigável diante das incertezas do decisor e superior aos mencionados acima, na configuração de cenários prospectivos.
Logo, são inconcebíveis determinadas afirmações, em relação à nossa ESG, cujo teor ainda não percebi a qual fim se quer chegar.
A reação justa em defesa da ESG
Diante da inverdade maldosa, produzi um documento ao Comando, sendo imediatamente tomadas providências, como por exemplo, a designação de um Grupo de Trabalho (GT), utilizando-se das inteligências de alguns membros do Corpo Permanente, com o objetivo de demonstrar o quanto custará de negativo, para o País, essa medida unilateral (de transferência da ESG).
Esse GT produziu um documento de abordagem profunda, a partir da pluralidade de reflexões de seus componentes, afastando decisões unilaterais e autoritárias, nefastas às soluções sensatas e efetivas.
A transferência da ESG para Brasília, perdoem-me, não pode se concretizar sem uma análise das Linhas de Ações Preliminares (LAP) estabelecidas por esse GT. Se isso acontecer, a decisão não será técnica, mas levará a concluir que estará eivada de um viés dúbio.
O jogo do caos factual
Com a divulgação da Estratégia Nacional de Defesa, no dia 07 de setembro, tendo no seu bojo, em um de seus parágrafos, a transferência da ESG para Brasília, bem como o pronunciamento do Exm. Sr. Ministro da Defesa, no VIII Encontro Nacional de Estudos Estratégicos (ENEE), no dia 07 de novembro, na Universidade da Força Aérea (UNIFA) e a conseqüente publicação de suas palavras no jornal O Dia, de 08 de novembro, elucidou-se a incógnita da equação, fazendo-nos entender que a “cantilena” do demérito e a inversão dos fatos sobre a ESG, previamente tão enfatizada, visa sensibilizar o Congresso Nacional a aprovar a Estratégia Nacional de Defesa, com a transferência da ESG para Brasília.
Percebe-se um arranjo velado e o que está em jogo é a manutenção ou não de um centro que estuda desenvolvimento, defesa e segurança, mas, muito mais do que isso, discutem-se os valores morais de uma nação, diante das crises nacionais dos últimos tempos, principalmente junto às nossas elites, “estraçalhando” o que é mais relevante na contextualização de um povo: a justiça.
Eu me pergunto: Por que essa investida contra a ESG? Será que prevalece ainda o mito fantasioso e revanchista de que a Revolução de 1964 nasceu no interior de suas instalações? Qual o motivo de tentar-se acabar com a ESG, nos anos de 2004 e 2005, não indo à frente, e agora surgir uma nova proposta traduzida na sua transferência para Brasília? O que a Escola cometeu de errado, em termos de cumprimento da sua missão-fim, para ser assediada subliminarmente? Não seria mais sensato apontar, com embasamento, as possíveis falhas e solicitar e/ou conjuntamente executar as devidas correções? Será que é proposital a notícia-surpresa, objetivando impactar nefastamente, em termos psicológicos, a todos da Escola e, com isso, obstruir a difusão do nosso Pensamento Estratégico à Sociedade Brasileira?
É, portanto, com tristeza e desconfiança que percebo um movimento maldoso e mentiroso em relação ao relevante papel da ESG no contexto nacional.
Parece que a técnica subliminar de Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda do Terceiro Reich, está se concretizando, naquilo que foi denominado “a grande mentira”. Afirmava, enfaticamente, aquela autoridade que “quanto maior a mentira e quanto mais fosse repetida – como é o caso da construção de que a ESG parou no tempo e no espaço – , mais facilmente será aceita pelas autoridades constituídas e pelas elites pensantes do País”.
Indignado percebo todo um movimento ardiloso contra a ESG, não podendo, desta feita, como membro do Corpo Permanente e agora sendo guindado, no Instituto de Geografia e História Militar Brasileira (IGHMB), a tomar acento na cadeira de nº 61, cujo patrono é o Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, silenciar-me e permitir que com uma “canetada”, em recinto fechado, sem um prévio e sério estudo, estabeleça-se o destino de uma causa que muito custou a verdadeiros idealistas. Estes jamais podem ser traídos por tudo que fizeram em prol de um “Santuário do Saber” que se chama Escola Superior de Guerra.
Encerro essas minhas considerações externando que a pior coisa que pode acontecer à criatura envolta numa causa nacional “não é ser punida pela justiça dos homens, mas condenada, eternamente, pelo Tribunal da História”.
Logo, em nossas mãos, está o destino desta Escola que muito tem feito pela Pátria.
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* Íntegra do artigo em: http://www.imortaisguerreiros.com
* Antonio Celente Videira – Cel. Int. R1 Aer.
Os subtítulos foram introduzidos pelo Editor deste site.
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