segunda-feira, 5 de julho de 2010


Entrevista // General Américo Salvador de Oliveira



"O pernambucano é solidário"

Lidar com situações adversas, como a que existe no interior do estado por causa das enchentes, faz parte da rotina do general Américo Salvador de Oliveira. O paulista nascido em Santos é o responsável pelo Comando Militar do Nordeste, divisão do Exército Brasileiro que está apoiando as ações de reconstrução das cidades atingidas pelas chuvas. Experiência sobre o assunto o general tem demais. Ele comandou a primeira turma de militares brasileiros que foi prestar serviços humanitários no Haiti, antes mesmo dos terremotos que devastaram o país caribenho no início do ano.

O general também fez parte da equipe que realizou salvamentos nas cheias registradas em Santa Catarina, no Sul do Brasil. Para ele, diante do caos ocorrido nos municípios pernambucanos, ainda existem fatos impressionantes. "Estou comovido com as demonstrações de solidariedade do povo pernambucano. E com a vontade dos desabrigados em ficar nas suas cidades de origem. Em qualquer lugar do mundo as pessoas já teriam saído para outros lugares", analisou. Em entrevista exclusiva ao Diario de Pernambuco, o comandante militar do Nordeste informou que as áreas alagadas nas últimas enchentes eram as mesmas observadas nas cheias de 2000. "Precisamos evitar que as pessoas voltem a construir suas casas nesses locais, como aconteceu há dez anos. Caso contrário, podem ocorrer outras tragédias", alertou. Américo Salvador de Oliveira ressaltou, no entanto, que diferentemente do Haiti, em Pernambuco há uma ação forte do Poder Executivo. Essa diferença, segundo o general, é essencial para o restabelecimento da rotina dos municípios arrasados. (Mirella Marques)

Haiti x Pernambuco

Antes de ser chamado pelo governo para ajudar nas áreas afetadas pelas enchentes em Pernambuco, o general comandou tropas brasileiras no Haiti, em 2004. Há seis anos, o país caribenho sofreu com enchentes que causaram a morte de mais de 3 mil pessoas. Atualmente, o Exército está atuando nas cidades de Palmares, Água Preta e Barreiros. "A demanda é que vai determinar o tempo que o efetivo ficará nesses municípios", informou. No Haiti, explica, o Exército comandava as ações. Aqui em Pernambuco, os soldados usam sua experiência para auxiliar as ações determinadas pelo governo. "Ter essa iniciativa do Poder Executivo é muito importante. No Haiti, a reconstrução das cidades era mais difícil porque a ajuda só vinha das organizações civis. Pernambuco tem tudo para voltar à vida normal o mais breve possível. Não é possível, no entanto, saber a data precisa em que isso vai acontecer. Vai depender de quando as obras comecem", avaliou. O militar relembrou que, no último dia 22 de junho, vários ministros já estavam avaliando os estragos das águas em Pernambuco. "No dia 24, o próprio presidente esteve aqui. É uma demonstração de quanto esta tragédia é levada à sério." Ele também citou o restabelecimento da energia elétrica e das comunicações como um ponto a favor do estado. Em Alagoas, destacou, muitas cidades ficaram às escuras por muitos dias.

Estratégia

A contribuição do Exército com as cidades arrasadas pelas cheias é grande. São sete helicópteros para transportar alimentação e roupas aos locais de difícil acesso. Nas cidades de Palmares e Barreiros foram instalados dois hospitais de campanha. Entre os atendimentos mais comuns nesta unidade estão os acidentes com cortes, já que muitos estilhaços estão espalhados nas ruas em meio à lama, e sintomas de gastroenterite (infecção intestinal). "Como a alimentação num momento de emergência não é a mais adequada e, sim, a que é mais fácil, é comum pessoas passarem mal", informou. Os militares também estão ajudando na limpeza das cidades com tratores e caçambas. Já chegaram a Pernambuco equipes de vários estados brasileiros. Entre eles o Rio Grande do Sul. Em Água Preta, terceira cidade mais atingida pelas chuvas depois de Palmares e Barreiros, o Exército instalou pontes móveis que permitiram a ligação do litoral com o interior. Pelas vias improvisadas, a população pode receber alimentos, água potável e medicamentos. Para que o trabalho seja conjunto, um oficial trabalha dentro do gabinete de crise instalado no Palácio do Campo das Princesas, sede do governo. Outro representante do Exército atua junto à Defesa Civil. Dessa forma, a cobertura é de 100%. "Numa situação como a que ocorre no interior de Pernambuco, o primeiro a se fazer é prestar atendimento rápido às áreas afetadas. Depois começam as estratégias de reconstrução", disse Salvador.

A segurança

Saques e boatos sobre novas trombas d'água já são realidade nas cidades castigadas pelas chuvas. "Isso aconteceu em Alagoas. Pessoas espalhavam que as chuvas iriam voltar com intensidade e que inundariam as ruas de novo. Por isso, muita gente saiu de casa para se proteger e os bandidos fizeram seu trabalho, saqueando as residências. Ainda não tive notícias de situação semelhante em Pernambuco mas posso dizer que o fenômeno é natural. Temos que lembrar que a população está desesperada", garantiu o general. Nesses casos, o Exército auxilia a Polícia Militar, principal responsável pelo policiamento dos municípios. "O trabalho de segurança é feito pela PM. Não tivemos solicitações para atuar neste campo. Mas nosso efetivo ajuda na prevenção de saques repassando informações verdadeiras às populações e desmentindo os boatos", comentou. O comandante militar do Nordeste acredita que as medidas de emergência tomadas em situação de calamidade não podem se prolongar. Caso contrário, as chances de existência dos saques aumentam.

Áreas de risco

Durante entrevista ao Diario, o general Américo Salvador de Oliveira chamou a atenção para uma falha ocorrida nas enchentes que ocorreram em 2000. Naquela época, a reconstrução dascidades, inclusive Palmares, uma das mais atingidas nas cheias do dia 16 de junho, não obedeceu as regras de segurança. Isso significa que, as casas que foram inundadas há dez anos foram erguidas na mesma área de risco. E, mais uma vez, as enchentes fizeram vítimas. "Dessa vez, será preciso construir em outros locais. As casas devem ser reconstruídas com segurança para seus moradores. Aí entra o trabalho do governo para desapropriar áreas, caso seja necessário. Penso que Pernambuco já está caminhando neste sentido. Temos a obrigação de evitar novas tragédias", opinou. O general também usa a experiência adquirida nas enchentes de Santa Catarina, em 2008, para recuperar as cidades pernambucanas. Ele destacou que a recuperação dos rios é importantíssima para evitar novas cheias. "Na reconstrução, não podemos deixar de lado o trabalho no leito dos rios. Periodicamente, é preciso retirar areia das margens para que a água possa fluir. Se não houver uma maneira de controlar a vazão dos rios, as barragens não vão suportar. A população deve fazer sua parte, não jogando lixo nos afluentes."

Solidariedade

"Estou extremamente impressionado com a solidariedade vista aqui em Pernambuco. Toda a população do estado está engajada para ajudar as vítimas das enchentes. Nas cidades mais afetadas, observamos que pessoas abrigam outras sem ao menos conhecê-las. Sem falar que os moradores dos municípios atingidos têm uma vontade imensa de reconstruir o lugar onde nasceram. Eles amam esses locais. Em outros países, as pessoas abandonam as cidades em situações como a que ocorreu aqui, de desastres naturais. No próprio Haiti, por exemplo, os desabrigados das enchentes deixaram suas casas e rumaram para o Norte. É realmente impressionante a disposição da população de Palmares e Barreiros em querer recuperar suas cidades." A vontade de ajudar também chegou aos outros comandos do Exército Brasileiro. Os comandantes dos outros estados nordestinos já manifestaram interesse em atuar por aqui. "Eles serão solicitados, caso haja necessidade",relatou o general.

Transcrito da página do "Diário de Pernambuco":
http://www.diariodepernambuco.com.br/2010/07/05/urbana4_0.asp

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