sexta-feira, 2 de março de 2012

Os detalhes da vida


Após adquirir minha primeira motocicleta, cerca de vinte anos atrás, quando achei que já tinha juízo suficiente para adquirir uma, nos finais de semana me aventurava em minhas primeiras viagens, até as cidades mais próximas, iniciando com as que estavam a 20, depois 50, 100, 200 quilômetros de distância.

Eram passeios totalmente descompromissados, sem nada para fazer no destino, hora para partir ou retornar. Mal chegava a um lugar já voltava, só interessado na liberdade, no ar batendo no corpo e nas sensações que só quem já viajou de moto conhece.

Como diferença marcante entre as viagens de carro e de moto, o que mais me chamava à atenção eram os detalhes. Mesmo em caminhos por onde já havia passado dezenas de vezes de carro, começava a enxergar árvores, desvios, entradas, topografias, paisagens e detalhes que nunca havia percebido.

Esse talvez seja um dos motivos que mais explique a paixão dos que gostam de viajar de moto. Além das sensações, enxerga-se muito mais do que quando estamos de carro, talvez pelo enclausuramento provocado pela própria estrutura do carro, as colunas, os vidros fechados e a música, que praticamente nos isolam do que se passa do lado externo.

Enganam-se os que acham que os motociclistas são loucos, que correm demais, usam drogas, arrumam brigas e coisas do gênero. Isso é coisa de filme americano, de bandos de velhos arruaceiros, que andavam em bandos com suas motos, arrumando confusões e amedrontando todos por onde passavam, mas isso não existe por aqui.

Existem, é claro, diversos tipos de motocicletas e usuários de diversas idades, cultura e educação, que delas se utilizam de formas distintas, mas basta observar um pouco para percebermos que "loucuras" com motos só são realizadas pelos motoboys, com motos pequenas, que realizam verdadeiro zigue-zague no trânsito ou pelos jovens que possuem motos esportivas enormes, mais "tensas", que fazem barulho, dão grandes aceleradas e atingem velocidades enormes em apenas uma quadra de onde partiram, disputam arrancadas em ruas e avenidas, correm muito e morrem bastante.

Quem gosta de viajar de moto raramente anda na cidade e se anda, é muito lentamente, curtindo sua máquina. São os que já possuem os cabelos brancos, com estabilidade financeira suficiente para investir entre cinquenta e cem mil dólares em uma dessas máquinas do tipo Custom, Big Trail ou Touring, para passear, viajar, enfim, aproveitar a vida em seus momentos de laser, e com elas partem, só com as esposas, ou em companhia de vários outros casais, em busca de lugares tão distintos quanto uma cidade próxima, ou até outro país, em viagens que podem durar dias, semanas - como uma de vinte e oito dias que realizei até o Chile -, ou meses.

Pressa é o que menos possui quem se dispõe a realizar uma viagem dessas. Vamos parando, conhecendo, tirando fotografias, descobrindo locais, vegetações, animais, alimentos, pessoas, idiomas e culturas diferentes da nossa. A obrigatoriedade de chegar a determinado local em data e horário pré-determinado nunca existiu nessa minha viagem. Não havia nenhum hotel reservado. Chegando a uma cidade é que procurava aposentos e os centros de informações públicas, onde obtinha as dicas de locais turísticos. Se gostasse, ali permanecia por um, dois ou três dias, passeando, conhecendo. Caso contrário, partia no dia seguinte, sem hora para acordar ou para a saída.

As experiências vividas em viagens assim jamais serão esquecidas, pois são maravilhosamente ricas em detalhes. Os que viajam de carro não percebem as mudanças de ares, da temperatura, dos cheiros dos campos e matas, mas de moto, sentem tudo em sua plenitude.

Enxergar o que existe entre dois pontos, as paisagens e detalhes que poucos viram, é a grande diferença entre viver a vida ou passar por ela.


João Bosco Leal www.joaoboscoleal.com.br

*Jornalista, escritor, articulista político e produtor rural.


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