EMENDAS PARLAMENTARES
*Percival
Puggina
Gore Vidal afirmou certa vez que ter
estilo é saber quem você é, o que você quer e escrever isso lixando-se para a
repercussão ("not giving a damn", nas palavras dele). Sem qualquer
pretensão de reivindicar méritos de estilo, o que vou escrever é totalmente
contrário ao senso comum e, por isso, se enquadra na última parte dessa
afirmação. Simplesmente sinto que devo escrever. E pronto.
Sou um defensor dos parlamentos (embora
não de muitos parlamentares) e vejo com maus olhos campanhas sistemáticas
voltadas para a desmoralização dessa instituição e para a demonização de seus
membros. No Brasil, quando se fala em corrupção, os holofotes voltam-se para os
plenários, notadamente para as duas conchas contrapostas do Congresso Nacional.
Esquecem-se tais análises de alguns parâmetros indispensáveis. A Câmara dos
Deputados (513 membros) e o Senado (81 membros), juntos, reservaram para si, no
PLOA 2012, R$ 5,4 bilhões. Enquanto isso, o programa de Gestão e Manutenção da
Presidência da República, abocanha R$ 4,7 bilhões. Parece mentira, mas é
verdade (as informações estão disponíveis aqui: http://www8a.senado.gov.br/dwweb/abreDoc.html?docId=202054).
São inegáveis os desvios de conduta e os
excessos em ambas as casas do Congresso. Mas convenhamos, com a União manejando
em 2013 um orçamento de R$ 2,3 trilhões, não será nos R$ 6 bilhões do Congresso
Nacional que se esvairão os recursos públicos. É uma questão de proporção,
coisa que a gente começa a aprender com a tabuada do 10. Tenho dito,
insistentemente, que os problemas do custo Brasil, do mau gerenciamento e das
grandes farras com os dinheiro do contribuinte estão centrados no outro lado da
praça. E o motivo é simples. Ali estão as grandes verbas, os grandes contratos,
as grandes compras. Perto do poder de fogo do Palácio do Planalto, o Congresso
Nacional é indigente.
Felizmente, o julgamento da Ação Penal
470 pelo STF acaba de trazer o problema para o centro do quadro de observação. O
que o processo está mostrando é uma fração, um farelo da realidade, mas já
serve como exemplo da capacidade corruptora que o governo usa para adquirir
base parlamentar. Dirá o leitor: "O mensalão felizmente acabou". Saiba,
porém, que remanescem outros mecanismos para compra de apoio no Congresso Nacional,
sendo as emendas parlamentares o mais nocivo. É algo tão daninho que a
expressão "emenda parlamentar", que designa várias formas de atuação
de deputados e senadores no processo legislativo, corrompeu seu sentido e virou
sinônimo da prerrogativa, individual, de destinar verbas no orçamento da União,
até um determinado limite. A quota individual, quinhão privatizado do erário, é
a mesma para todos, mas o governo a libera como prêmio por bom comportamento.
Isso é compra de apoio!
Emendar o orçamento é atribuição importante
dos parlamentos, mas transformar a emenda em fração de livre destinação, em
pouco se distingue do que ocorreu no episódio do mensalão. Muito, mas muito
mesmo, do que tem sido dito por ministros do STF no julgamento da AP 470, se
aplica, sem tirar nem pôr, às emendas parlamentares.
______________
* Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário,
escritor, titular do site www.puggina.org,
articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.
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