sábado, 22 de agosto de 2009


Falando em cérebro e sua ativação, aí vão informações preciosas!

Por dentro do cérebro

O neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho conta os avanços nos tratamentos de doenças como o mal de Parkinson e como evitar aneurisma e perda de memória. E projeta, ainda, o futuro próximo, quando boa parte do sistema neurológico estará sob controle do homem.

Chegar à casa do neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho, no alto da Gávea, no Rio de
Janeiro, é uma emoção. A começar pela vista deslumbrante da cidade, passando pelos
macacos que passeiam pelos galhos até avistar as orquídeas que caem em pencas das
árvores, colorindo todo o jardim. Cada uma dessas flores foi presente de um paciente do
médico, que sua mulher, Isabel, replantou na parte externa da casa. Ou seja: a
competência desse médico, com 33 anos de profissão, que dedica sua vida à medicina com a
paixão de um garoto, pode ser contada em flores. E são muitas.
Filho do lendário neurocirurgião Paulo Niemeyer, pioneiro da microneurocirurgia no
Brasil, e sobrinho do arquiteto Oscar Niemeyer, Paulo escolheu a medicina ainda
adolescente. Aos 17 anos, entrou na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Quinze dias depois de formado, com 23 anos, mudou-se para a Inglaterra, onde foi estudar
neurologia na Universidade de Londres. De volta ao Brasil, fez doutorado na Escola
Paulista de Medicina. Ao todo, sua formação levou 20 anos de empenho absoluto. Mas a
recompensa foi à altura. Apaixonado por seu ofício, Paulo chefia hoje os serviços de
neurocirurgia da Santa Casa do Rio de Janeiro e da Clínica São Vicente, onde atende e
opera de segunda a sábado, quando não há uma emergência no domingo, e ainda encontra
tempo para dar aulas no curso de pós-graduação em neurocirurgia da PUC-Rio.
Por suas mãos já passaram o músico Herbert Vianna - de quem cuidou em 2001, depois do
acidente de ultraleve em Mangaratiba, litoral do Rio -, o ator e diretor Paulo José, a
atriz Malu Mader e, mais recentemente, o diretor de televisão Estevão Ciavatta - marido
da atriz Regina Casé que, depois de um tombo do cavalo, recupera-se plenamente -, além
de centenas de outros pacientes, muitos deles representados pelas belas flores que
enchem de vida o seu jardim.


PODER: Seu pai também era neurocirurgião. Ele o influenciou?
PAULO NIEMEYER: Certamente. Acho que queria ser igual a ele, que era o meu ídolo.
PODER: Seu pai trabalhou até os 90 anos. A idade não é um complicador para um
neurocirurgião? Ela não tira a destreza das mãos, numa área em que isso é crucial?
PN: A neurocirurgia é muito mais estratégia do que habilidade manual. Cada caso tem um
planejamento específico e isso já é a metade do resultado. Você tem de ser um
estrategista..
PODER: O que é essa inovação tecnológica que as pessoas estão chamando de

marcapasso do cérebro?
PN: Tem uma área nova na neurocirurgia chamada neuromodulação, o que popularmente se
chama de marcapasso, mas que nós chamamos de estimulação cerebral profunda. O
estimulador fica embaixo da pele e são colocados eletrodos no cérebro, para estimular ou
inibir o funcionamento de alguma área. Isso começou a ser utilizado para os pacientes de
Parkinson. Quando a pessoa tem um tremor que não controla, você bota um eletrodo no
ponto que o está provocando, inibe essa área e o tremor pára. Esse procedimento está
sendo ampliado para outras doenças. Daqui a um ou dois anos, distúrbios alimentares como
obesidade mórbida e anorexia nervosa vão ser tratados com um estimulador cerebral.
Porque não são doenças do estômago, e sim da cabeça.
PODER: O que se conhece do cérebro humano?
PN: Hoje você tem os exames de ressonância magnética, em que consegue ver a ativação das
áreas cerebrais, e cada vez mais o cérebro vem sendo desvendado. Ainda há muito o que
descobrir, mas com essas técnicas de estimulação você vai entendendo cada vez mais o
funcionamento dessas áreas. O que ainda é um mistério é o psiquismo, que é muito mais
complexo. Por que um clone jamais será igual ao original? Geneticamente será a mesma
coisa, mas o comportamento depende muito da influência do meio e de outras causas que a
gente nunca vai desvendar totalmente.
PODER: Existe uma discussão entre psicanalistas e psiquiatras, na qual os primeiros
apostam na melhora por meio da investigação da subjetividade, e os últimos acreditam que
boa parte dos problemas psíquicos se resolve com remédios. Qual é sua opinião?
PN: Há casos de depressão que são causados por tumores cerebrais: você opera e o doente
fica bem. Há casos de depressão que são causados por deficiência química: você repõe a
química que está faltando e a pessoa fica bem. Numa época em que se fazia psicocirurgia
existiam doentes que ficavam trancados num quarto escuro e quando faziam a cirurgia se
livravam da depressão e nunca mais tomavam remédio. E há os casos que são puramente
psíquicos, emocionais, que não têm nenhuma indicação de tomar remédio.
PODER: Já existe alguma evolução na neurologia por causa das células-tronco?
PN: Muito pouco. O que acontece com as células-tronco é que você não sabe ainda como
controlar. Por exemplo: o paciente tem um déficit motor, uma paralisia, então você
injeta lá uma célula-tronco, mas não consegue ter certeza de que ela vai se transformar
numa célula que faz o movimento. Ela pode se transformar em outra coisa, você não tem o
controle, ainda.
PODER: Existe alguma coisa que se possa fazer para o cérebro funcionar melhor?
PN: Você tem de tratar do espírito. Precisa estar feliz, de bem com a vida, fazer
exercício. Se está deprimido, com a autoestima baixa, a primeira coisa que acontece é a
memória ir embora; 90% das queixas de falta de memória são por depressão, desencanto,
desestímulo. Para o cérebro funcionar melhor, você tem de ter motivação. Acordar de
manhã e ter desejo de fazer alguma coisa, ter prazer no que está fazendo e ter a
autoestima no ponto.
PODER: Cabeça tem a ver com alma?
PN: Eu acho que a alma está na cabeça. Quando um doente está com morte cerebral, você
tem a impressão de que ele já está sem alma. Isso não dá para explicar, o coração está
batendo, mas ele não está mais vivo.
PODER: O que se pode fazer para se prevenir de doenças neurológicas?
PN: Todo adulto deve incluir no check-up uma investigação cerebral. Vou dar um exemplo:
os aneurismas cerebrais têm uma mortalidade de 50% quando rompem, não importa o
tratamento. Dos 50% que não morrem, 30% vão ter uma sequela grave: ficar sem falar ou
ter uma paralisia. Só 20% ficam bem. Agora, se você encontra o aneurisma num checkup,
antes dele sangrar, tem o risco do tratamento, que é de 2%, 3%. É uma doença muito
grave, que pode ser prevenida com um check-up.
PODER: Você acha que a vida moderna atrapalha?
PN: Não, eu acho a vida moderna uma maravilha. A vida na Idade Média era um horror. As
pessoas morriam de doenças que hoje são banais de ser tratadas. O sofrimento era muito
maior. As pessoas morriam em casa com dor. Hoje existem remédios fortíssimos, ninguém
mais tem dor.
PODER: Existe algum inimigo do bom funcionamento do cérebro?
PN: O exagero. Na bebida, nas drogas, na comida. O cérebro tem de ser bem tratado como o
corpo. Uma coisa depende da outra. É muito difícil um cérebro muito bem num corpo muito
maltratado, e vice-versa.
PODER: Qual a evolução que você imagina para a neurocirurgia?
PN: Até agora a gente trata das deformidades que a doença causa, mas acho que vamos
entrar numa fase de reparação do funcionamento cerebral, cirurgia genética, que serão
cirurgias com introdução de cateter, colocação de partículas de nanotecnologia, em que
você vai entrar na célula, com partículas que carregam dentro delas um remédio que vai
matar aquela célula doente. Daqui a 50 anos ninguém mais vai precisar abrir a cabeça.
PODER: Você acha que nós somos a última geração que vai envelhecer?
PN: Acho que vamos morrer igual, mas vamos envelhecer menos. As pessoas irão bem até
morrer. É isso que a gente espera. Ninguém quer a decadência da velhice. Se você puder
ir bem de saúde, de aspecto, até o dia da morte, será uma maravilha, não é?
PODER: Você não vê contraindicações na manipulação dos processos naturais da vida?
PN: O que é perigoso nesse progresso todo é que, assim como vai criar novas soluções,
ele também trará novos problemas. Com a genética, por exemplo, você vai fazer um exame
de sangue e o resultado vai dizer que você tem 70% de chance de ter um câncer de mama.
Mas 70% não querem dizer que você vai ter, até porque aquilo é uma tendência.
Desenvolver depende do meio em que você vive, se fuma, de muitos outros fatores que
interferem. Isso vai criar um certo pânico. E, além do mais, pode criar problemas, como
a companhia de seguros exigir um exame genético para saber as suas tendências. Nós vamos
ter problemas daqui para frente que serão éticos, morais, comportamentais, relacionados
a esse conhecimento que vem por aí, e eu acho que vai ser um período muito rico de
debates.
PODER: Você acredita que na hora em que as pessoas puderem decidir geneticamente a sua
hereditariedade e todo mundo tiver filhos fortes e lindos, os valores da sociedade vão
se inverter e, em vez do belo, as qualidades serão se a pessoa é inteligente, se é
culta, o que pensa?
PN: Mas aí você vai poder escolher isso também. Esse vai ser o problema: todo mundo vai
ser inteligente. Isso vai tirar um pouco do romantismo e da graça da vida. Pelo menos
diante do que a gente está acostumado. Acho que a vida vai ficar um pouco dura demais,
sob certos aspectos. Mas, por outro lado, vai trazer curas e conforto.
PODER: Hoje a gente lida com o tempo de uma forma completamente diferente. Você acha que
isso muda o funcionamento cerebral das pessoas?
PN: O cérebro vai se adaptando aos estímulos que recebe, e às necessidades. Você vê pais
reclamando que os filhos não saem da internet, mas eles têm de fazer isso porque o
cérebro hoje vai funcionar nessa rapidez. Ele tem de entrar nesse clique, porque senão
vai ficar para trás. Isso faz parte do mundo em que a gente vive e o cérebro vai
correndo atrás, se adaptando.
PODER: Paciente famoso dá mais trabalho?
PN: A revista New England Journal of Medicine publicou um artigo sobre as complicações
do tratamento vip, mostrando que o perigoso nesse tipo de tratamento é que você muda a
sua rotina. Eles deram o exemplo do papa João Paulo 2º e do ex-presidente
norte-americano Ronald Regan, que levaram tiros. E mostraram momentos em que eles quase
morreram porque, quando chega um doente desses, o hospital para, todo mundo quer ver e
ajudar, a sala de cirurgia fica lotada, o cirurgião deixa de fazer um exame que devia
ser feito porque pode doer... O doente vip acaba influindo nas decisões médicas pela
importância que tem, e isso pode complicar o tratamento. Ele tem de ser tratado
igualzinho ao doente comum, para poder dar certo.
PODER: Já aconteceu de você recomendar um procedimento e a pessoa não querer fazer??
PN: A gente recomenda, mas nunca pode forçar. Uma coisa é a ciência, e outra é a
medicina. A pessoa, para se sentir viva, tem de ter um mínimo de qualidade. Estar vivo
não é só estar respirando. A vida é um conjunto. Há doentes que preferem abreviar a vida
em função de ter uma qualidade melhor. De que adianta ficar ali, só para dizer que está
vivo, se o sujeito perde todas as suas referências, suas riquezas emocionais, psíquicas.
É muito difícil, a gente tem de respeitar muito.
PODER: Como é o seu dia-a-dia?
PN: Eu opero de segunda a sábado de manhã, e de tarde atendo no consultório. Na Santa
Casa, que é o meu xodó, nós temos 50 leitos, só para pessoas pobres. Eu opero lá duas
vezes por semana. E, nos outros dias, na Clínica São Vicente. O que a gente mais opera
são os aneurismas cerebrais e os tumores. Então, é adrenalina todo dia. Sem ela a gente
desanima e o cérebro funciona mal. (risos)
PODER: Você é workaholic?
PN: Não é que eu trabalhe muito, a minha vida é aquilo. Quando viajo, fico entediado.
Depois de alguns dias, quero voltar. Você perde a sua referência, está acostumado com
aquela pressão, aquele elástico esticado.
PODER: Como você lida com a impotência quando não consegue salvar um paciente?
PN: É evidente que depois de alguns anos, a gente aprende a se defender. Mas perder um
doente faz mal a um cirurgião. Se acontece, eu paro com o grupo para discutir o que se
passou, o que poderia ter sido melhor, onde foi a dificuldade. Não é uma coisa pela qual
a gente passe batido. Se o cirurgião acha banal perder um paciente é porque alguma coisa
não está bem com ele mesmo.
PODER: Como você lida com as famílias dos seus pacientes?
PN: Essa relação é muito importante. As famílias vão dar tranquilidade e confiança para
fazer o que deve ser feito. Não basta o doente confiar no médico. O médico também tem de
confiar no doente. E na família. Se é uma família que cria caso, que é brigada entre si,
dividida, o cirurgião já não tem a mesma segurança de fazer o que deve ser feito. Muitas
vezes o doente não tem como opinar, está anestesiado e no meio de uma cirurgia você
encontra uma situação inesperada e tem de decidir por ele. Se tem certeza de que ele
está fechado com você, a decisão é fácil. Mas se o doente é uma pessoa em quem você não
confia, você fica inseguro de tomar certas decisões. É uma relação bilateral, como num
casamento. Um doente que você opera é uma relação para o resto da vida.
PODER: Você acredita em Deus?
PN: Não raramente, depois de dez horas de cirurgia, aquele estresse, aquela adrenalina
toda, quando você acaba de operar, vai até a família e diz: "Ele está salvo". Aí, a
família olha pra você e diz: "Graças a Deus!". Então, a gente acredita que não fomos
apenas nós.
PODER: Como você relaxa?
PN: Estudando. A coisa que mais gosto de fazer é ler. Sábado e domingo, depois do
almoço, gosto de sentar e ler, ficar sozinho em silêncio absoluto.
PODER: E o que gosta de ler?
PN: Sobre medicina ou história. Agora estou lendo um livro antigo, chamado Bandeirantes
e Pioneiros, do Vianna Moog, no qual ele compara a colonização dos Estados Unidos com a
do Brasil. E discute por que os Estados Unidos, com 100 anos a menos que o Brasil,
tiveram um enriquecimento e um progresso tão rápidos. Por que um país se desenvolveu em
progressão geométrica e o outro em progressão aritmética.


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