sábado, 26 de setembro de 2009



À luz da Constituição, não houve golpe em Honduras


Por Lionel Zaclis

Embora a mídia venha se referindo à substituição do presidente da República de Honduras como um golpe, parece que ninguém, até agora, fez um estudo mais aprofundado dos fatos ali ocorridos à luz da Constituição, e sob a ótica das medidas judiciais levadas a efeito. Pelo menos, ainda não deparei com uma análise mais aprofundada no que tange à aderência daqueles fatos às regras de um Estado de Direito. Trata-se de algo que não tem provocado interesse, seja por parte da mídia, seja por parte dos juristas.

Analisada a questão do ponto de vista jurídico, distante dos interesses político-ideológicos, a conclusão a que se chega é a de que esse pequeno país da América Central tem sido punido por cumprir as normas constitucionais ali imperantes. Se boas ou ruins, é tema que não vem à baila neste momento.

É alarmante o poder da desinformação. Mercê de inversão semântica, característica da novilíngua que se espalha de modo avassalante, está-se conseguindo alterar o significado da expressão “golpe de Estado”, de tal modo a atribuir-lhe sentido oposto ao que lhe é próprio. Sempre se entendeu “golpe de Estado” como tomada do poder governamental pela força e sem a participação do povo, ou o ato pelo qual um governo tenta manter-se no poder, pela força, além do tempo previsto. Agora, contudo, passou a atribuir-se tal denominação ao processo de troca do governante de acordo com a Constituição vigente no país, e realizado com o propósito de preservá-la. Se não há má-fé nessa inversão semântica, tal atitude só pode resultar de ignorância dos fatos efetivamente ocorridos.

De acordo com a Constituição de Honduras, o mandato presidencial tem o prazo máximo de quatro anos (artigo 237), vedada expressamente a reeleição. Aquele que violar essa cláusula, ou propuser-lhe a reforma, perderá o cargo imediatamente, tornando-se inabilitado por dez anos para o exercício de toda função pública. A Constituição é expressa nesse sentido: “Articulo 239. El ciudadano que haya desempeñado la titularidad del Poder Ejecutivo no podrá ser Presidente o Designado. El que quebrante esta disposición o proponga su reforma, asi como aquellos que lo apoyen directa o indirectamente, cesarán de inmediato em el desempeño de sus respectivos cargos, y quedarán inhabilitados por diez años para el ejercicio de toda función pública”.

Assim, em razão da vacância do cargo de presidente da República, assume seu lugar o presidente do Congresso Nacional, e, na falta deste, o presidente da Corte Suprema de Justiça, sempre pelo tempo que faltar para concluir o período constitucional (art. 242).

É tão grande a preocupação dos hondurenhos em impedir o retorno do caudilhismo que o artigo 42, 5, dispõe a respeito da perda da cidadania por parte daqueles que incitarem, promoverem ou apoiarem o continuísmo ou a reeleição do presidente da República, após prévia sentença condenatória proferida pelo tribunal competente.

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Por outro lado, o fato de em Honduras a deposição do presidente não ser feita por meio de impeachment, tal como no Brasil ou nos EUA, em nada altera a questão, porquanto a questão relevante consiste em verificar se o processo constitucionalmente previsto para tal fim em cada país foi respeitado, até porque cabe a cada país escolher, para o fim de que se trata, a sistemática e o conjunto de normas que melhor se adapte às suas características político-jurídicas.

Precisamos pensar com nossos próprios neurônios e procurarmos a verdade, ainda que isso possa ser cansativo e consumir tempo. Do contrário, os verdadeiros democratas, os que prezam o Estado de Direito, constatarão que será muito tarde “quando a ficha lhes cair”.


Transcrito da página "Consultor Jurídico", onde a íntegra do estudo poderá ser lido:

http://www.conjur.com.br/


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