sábado, 2 de janeiro de 2010


Paradigmas



Manuel Cambeses Júnior
RIO - O termo Guerra Fria foi batizado por um conhecido político e economista norte-americano, de nome Bernard Baruch, e popularizado pelo célebre jornalista Walter Lippman. Entre 1945 e 1989, a ordem mundial encontrou-se regida pelas normas definidas pela Guerra Fria. Nestas condições o planeta ficou dividido em dois grandes blocos enfrentados em uma intensa competição pela supremacia.
Quando acompanhávamos os acontecimentos em El Salvador ou na Nicarágua, nos anos 80 do século passado, por exemplo, podíamos não estar entendendo, muitas vezes, as raízes desses conflitos mas os situávamos dentro de um marco de referência bastante conhecido. Sabíamos que se tratava de mais um capítulo da Guerra Fria. Neste sentido, a mesma constituía-se em modelo.
O termo “paradigma” encontra-se na moda em nossos dias. Na essência, este pode definir-se como uma visão simplificada do mundo e que busca proporcionar um sentido de direção. É exatamente por isso que, ao enquadrar-se qualquer conflito regional, qualquer enfrentamento étnico ou cultural, dentro do contexto de uma competição entre as superpotências, a Guerra Fria passou a assumir o caráter de “modelo”. Com a queda do Muro de Berlim, sua preeminência desapareceu. A partir desse momento, apareceram novos paradigmas disputando o lugar que durante 45 anos correspondeu ao período da bipolaridade mundial.
O primeiro dos modelos surgidos à luz do esfacelamento da União Soviética e também o mais simplista deles foi o proclamado no livro de Francis Fukuyama: O fim da História. De acordo com o autor, o mundo estava chegando a um ponto definitivo em seu processo evolutivo, como resultado da homogeneização de valores e crenças. O duplo triunfo da democracia e da economia de mercado passaria a unificar as diversas regiões do planeta, brindando-as com um claro denominador comum. Ainda que esse modelo tenha sido questionado por seu excessivo otimismo, são muitos, ainda, os que creem que, com a imposição dos valores da economia de mercado e da democracia, o mundo está se voltando para um lugar muito mais seguro e apto para a prosperidade ilimitada.
Outro dos paradigmas que surgiram com o ocaso da Guerra Fria diz respeito ao aspecto cultural. Seu máximo expoente é Samuel Huntington, para quem “a cultura e as identidades culturais estão dando forma aos padrões de coesão, desintegração e conflito no mundo pós-Guerra Fria (...), e as políticas globalizadas estão sendo reconfiguradas ao redor de linhas culturais”. Com diversas variáveis e matizes, este paradigma cultural é também esposado por autores como Lawrence Harrison, Thomas Sowel, Roger Peyreffite e Benjamin Barber. Muito curiosamente, o próprio Fukuyama, após haver divulgado sua teoria, parece ter acolhido com simpatia este outro modelo. Já em seu livro Confiança, surgido em 1995, o autor reconsidera muitas de suas ideias e convicções sobre a homogeneização dos valores para concluir que o mundo continua sendo um lugar marcado pela diversidade de culturas e, portanto, de valores.
Entre os modelos emergentes encontramos o denominado Dois Mundos. Este pretende explicar a orientação dos novos tempos sob a ótica de “zonas de paz e prosperidade” e “zonas de conflito e regressão”. Baseado nele, cairiam todas aquelas teorias que visualizavam o mundo a partir de uma clara linha divisória entre países e regiões que marcham para cima e os que caminham para baixo. Entre aqueles que sustentam este pensamento, encontram-se autores como Jacques Attali, Robert Gilpin e Jean Christophe Ruffin. O primeiro profetizou sobre um mundo formado por algumas poucas ilhas de riqueza em meio a um mar de pobreza global. O segundo referiu-se ao surgimento de um Novo Muro de Berlim entre a prosperidade crescente do mundo industrializado e a miséria irreversível do terceiro mundo. O último assinala que, entre os hemisférios Norte e Sul, não existe articulação possível e que são duas esferas totalmente divorciadas que se movimentam em direção contrária.
Outro dos novos paradigmas é o do caos. Segundo essa visão, o mundo está adentrando em uma era de quebra da autoridade governamental, de crises e secessão dos Estados; de intensificação dos conflitos étnicos, tribais e religiosos; de consolidação das máfias criminais internacionais; de proliferação indiscriminada de armas de destruição em massa; de expansão do terrorismo e de generalização de migrações massivas. Entre os que sustentam esta tese encontram-se autores como Patrick Moynahan, Zbignew Brzezinski, Walter Saqueur e Michael T. Klare. A diferença fundamental entre os apologistas desta linha e os que esposam as ideias contidas no modelo Dois Mundos é que para uns o caos é seletivo enquanto que, para outros, é global.
Os diversos paradigmas, que se manejam nos dias atuais, encontram-se em uma escala de graduação que abarca desde o acendrado otimismo do Fim da História até o acentuado pessimismo dos cultores do caos. A verdade, como sempre ocorre, deve encontrar-se em algum ponto intermediário entre os dois extremos e deve incluir boa parte das ideias sustentadas por cada um dos modelos apresentados.
* Manuel Cambeses Júnior, além de coronel-aviador, é membro do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil e conselheiro e vice-diretor do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica.

O artigo foi recebido por e-mail e publicado no Jornal do Brasil, edição de 31 de dezembro de 2009.


Nenhum comentário: