quarta-feira, 28 de setembro de 2011

MÁ REDAÇÃO, DÚBIA INTERPRETAÇÃO

Aileda de Mattos Oliveira*

(28/9/2011)

Se a clareza é necessária na elaboração de uma simples mensagem, imprescindível se torna, na produção de um documento oficial, tendo em vista os resultados que podem advir da interpretação de conceitos malformulados, de situações temporais maldefinidas e de períodos malconstruídos.

Dois casos, apenas, entre outros, são avaliados, como exemplos, e retirados do pobre manual estratégico jobiniano.

Não há como compreender o emprego do modo futuro, em certas partes da redação da END. É uma forma de postergar ações que devem ser imediatas, pois é um pensamento permanente a defesa da soberania nacional.

A escritura redigida no modo presente, em qualquer momento de sua leitura, mantém a sua vigência garantida, e imutável a posição política do país em relação à sua independência. Isto porque o chamado ‘presente histórico’, atemporal, efetiva, de maneira indefinida, a firme palavra decisória da nação sobre o seu território, ante os potenciais poderes usurpadores.

A par disso, o presente imprime, na voz da entidade que responde pela segurança nacional, o real espírito de que está imbuído o órgão, de mostrar-se dinâmico, relegando ao passado este burocrático ‘amanhã’, que será tarde demais. Não esperem uma guerra; a ocupação da Amazônia é silenciosa.

Dita o Decreto 6.703/8, na parte que se refere a O Exército Brasileiro: os imperativos de flexibilidade e de elasticidade, que “A defesa da região amazônica será encarada, na atual fase da História, como o foco de concentração das diretrizes resumidas sob o rótulo dos imperativos de monitoramente/controle e de mobilidade.

Há uma distância sideral e semântica entre “será encarada” e ‘é encarada’ que tende a afetar, politicamente, um país malgovernado, como o Brasil. No primeiro caso, foram lançadas para um futuro incógnito, ações que serão inócuas, pela marcha acelerada dos acontecimentos. No segundo, as adequações estratégicas são imediatas e, portanto, sempre reavaliadas, de acordo, pois, com o ciclo das mutações das relações internacionais, tão transitórias, nos últimos tempos.

Sendo a fase histórica, “atual”, como diz o texto da END, a defesa da região amazônica tem, pela razão mesma da contemporaneidade da fase citada, que resultar de um planejamento dentro das circunstâncias do momento, e não de um projeto para um “será”, continuamente, futuro.

Contudo, não se limitam ao entrevero entre os tempos verbais as frestas por onde podem penetrar os tentáculos dos artifícios jurídicos manipulados, ardilosamente, pelos retóricos a serviço de quem quer que seja. As brechas surgem, também, nas frases intercaladas, à guisa de explicações, aparentemente, inúteis, ou matreiramente, capciosas.

Aliás, no mesmo trecho mencionado, desnecessária a inclusão de “na atual fase da História”, por estar a defesa da nação, sempre em primeiro plano, em qualquer tempo, em qualquer governo: [‘A defesa da região amazônica é encarada como o foco de concentração...’]

Na parte referente a Priorizar a região amazônica, a afirmação de que o Brasil “Não permitirá [outra vez o futuro] que organizações ou indivíduos sirvam de instrumentos para interesses estrangeiros – políticos ou econômicos – que queiram enfraquecer a soberania brasileira. Quem cuida da Amazônia brasileira, a serviço da humanidade e de si mesmo, é o Brasil.”

Deixa-se de lado, agora, a aversão aos verbos, manifestada pelos redatores desta paralítica END. O que reverbera aos olhos do leitor atento é a frase final, afirmativa, de que o Brasil “cuida da Amazônia brasileira´, para si mesmo, o que deveria ser óbvio e que se deseja confirmada na concretude das atitudes governamentais. Porém,“a serviço da humanidade”, considera-se uma excrescência monumental. Peca, ainda, este período, pela primazia dada aos cuidados com a Amazônia “a serviço da humanidade” para, posteriormente, então, estar a serviço “de si mesmo”.

Os esclarecimentos se fazem necessários sobre a razão pela qual o Estado brasileiro “cuida” da mais rica região do mundo, primeiramente, “a serviço da humanidade”. Afinal, a Estratégia de Defesa é nacional e não transnacional. Coincidentemente, o verbo está no presente. Não acreditando em governos e em suas intenções, não considero coincidência, mas um propósito definido, a fim de responder aos interesses da farsa ecológico-ambiental, desde já sendo acatada.

A interpretação de um texto que visa à defesa do território nacional deve ser imediata, sem ambiguidades que venham a se tornar a chave para a obtenção do tesouro ambicionado por nações mal-intencionadas e, historicamente, dadas às invasões e às conquistas.

Sem nenhum interesse pelo trocadilho, a END é o fim, pela ausência de substância contextual, de autenticidade nas palavras e de credibilidade de propósitos.

(*Prof.ª Dr.ª em Língua Portuguesa. ADESG; ESG. Articulista do Jornal Inconfidência. Membro da Academia Brasileira de Defesa. A opinião expressa é particular da autora.)


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