A
NOVELA
"MENSALÃO"
Percival Puggina
Aproximamo-nos
dos últimos
capítulos da
novela "Mensalão",
uma das
poucas grandes
obras da
dramaturgia brasileira,
encenada para
tevê, que
não foi
mostrada nas
telas da
Globo. A
novela rodou
seus capítulos
no até
então obscuro
canal da
TV Justiça.
Como convém
às mais
sadias exibições
públicas, tudo
parece apontar
para uma
consagradora vitória
do bem
sobre o
mal. As
patifarias, as
maquinações, os
fingimentos, foram,
aos poucos,
sendo descobertos.
A maligna
trama, que
conspirou contra
nossa democracia
e contra
os valores
republicanos, foi
aflorando do
script e
compondo um
tecido lógico
de participações,
motivações e
ações.
Foi
uma novela
diferente. Muito
diferente. Observe
que o
elenco principal
jamais foi
visto em
cena. Trata-se,
portanto, de
uma concepção
inovadora, digna
de Nelson
Rodrigues! Uma
novela conduzida
de tal
forma que
os personagens
reais, malgrado
terem sido
objeto de
todos os
capítulos, cada
qual tendo
seu próprio
rol e
rolo desfiado
ante os
olhos do
público, em
momento algum
se fizeram
visíveis. Mais
notável ainda:
à medida
em que
a urdidura
era desvelada
e caminhava
para seu
grand finale,
foi ganhando
forma, por
trás do
numeroso grupo
de personagens,
a figura
central do
drama -
o ator
sem atuar,
o motivador
silencioso de
toda a
obra. Mesmo
inominado no
roteiro, mesmo
envolto num
véu de
silêncios infinitos,
ainda assim
ele explode
no centro
da trama
como parte
de um
processo de
elaboração mental
do próprio
telespectador. E
todos nós,
sem exceção,
se de
repente nos
fosse pedido,
hoje, para
indicar o
nome do
cara por
trás dos
caras, não
divergiríamos quanto
ao seu
nome, ao
seu apelido
e ao
seu sobrenome.
É ou
não coisa
para se
aplaudir de
pé, jogando
flores ao
palco?
Acertam-se,
agora, os
lances finais.
Afere-se, na
balança de
Têmis, o
peso das
culpas. Os
personagens pagarão
por seus
erros. Carregarão
sobre si
o encargo
adicional de
saberem que
alguém, maior
do que
todos eles,
está em
casa, tomando
uma cervejinha
e assistindo
a novela
pela tevê.
Tenho certeza
de que
o leitor
destas linhas,
ao compreender
o quanto
foi prodigiosa
a novela
que assistiu
nos últimos
meses, deve
estar se
perguntando: "Por
que a
colocas no
nível de
Nelson Rodrigues?
Por que
não Shakespeare?".
Respondo: os
personagens
canalhas de
Nelson Rodrigues
foram insuperável.
Não há
nada assim
em Shakespeare.
A novela
do Mensalão,
leitores, enquanto
exibe a
aparência de
produzir uma
redentora vitória
do bem
sobre o
mal, oculta
uma segura
vitória do
mal sobre
o bem.
Em algum
lugar do
país, o
cara por
trás dos
caras afirma
que a
novela não
existiu e
ri do
drama vivido
pelos que
foram apanhados
nas largas
malhas com
que nossas
instituições capturam
peixes!
______________
*
Percival
Puggina
(67)
é
arquiteto,
empresário,
escritor,
titular
do
site
www.puggina.org,
articulista
de
Zero
Hora
e
de
dezenas
de
jornais
e
sites
no
país,
autor
de
Crônicas
contra
o
totalitarismo;
Cuba,
a
tragédia
da
utopia
e
Pombas
e
Gaviões.
Recebido por e-mail.
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