TEÚDA
E MANTEÚDA
Percival Puggina
Tenho acompanhado, no
limite das minhas possibilidades de tempo, o julgamento do Mensalão
(ooops!) Ação Penal 470. Aliás, não gosto do apelido. Ele desvia
a atenção dos cidadãos e esconde problema ainda maior. Refiro-me à
prática também delinquente, recorrente e transparente na política
nacional: governos compram base parlamentar. O Mensalão foi apenas
uma modalidade. Restam muitas outras. Negá-lo seria cinismo em
estado puro. A que mais servem as emendas parlamentares no mecanismo
vigente? O que é o disputadíssimo rateio de postos da administração
pública direta e indireta entre os partidos políticos? O que estava
por trás de todos os escândalos que derrubaram meia dúzia ou mais
de ministros no início do governo Dilma? Seja como for, alguns ratos
acabaram apanhados na desregulada e displicente ratoeira do sistema.
E temos aí o julgamento de seus réus.
Levei um susto quando, no
primeiro ato, Márcio Thomaz Bastos, de improviso, suscitou o
desmembramento do processo e o ministro Lewandowski sacou da pasta,
também de improviso, alentada adesão à tese, enchendo de
jurisdiquês 63 páginas da minha paciência. O ministro pretendia
espargir por comarcas dispersas do país 35 réus com crimes
interconectados. Delírio, puro delírio. Mas era uma tese, que,
acolhida, acabaria com o processo ali mesmo, e José Dirceu seria
julgado sabe lá Deus onde. Aleluia, fomos em frente!
Ouvi Joaquim Barbosa e as
discussões preliminares em torno do modo como ele havia organizado
sua exposição. Em quase todas as falas dos ministros, aliás, fico
com a impressão de haver script demais para pouco argumento. Muito
falatório para pouco drama, por exemplo, no caso do fatiamento
proposto pelo relator. Uma coisa assim tipo novela da Globo, que
enche o roteiro de lero-lero. Aquele ritmo de trabalho, numa empresa
privada, punha todo mundo na rua no segundo dia. Mas vá que seja. A
boa justiça não tem pressa. A má justiça tampouco.
Quando Ricardo
Lewandowski começou a falar, me veio à mente seu currículo de ovo
jurídico chocado no ninho petista de São Bernardo, em cujas
administrações foi Secretário de Governo e Secretário de Assuntos
Jurídicos.
De São Bernardo, em lista
tríplice da OAB local, chegou a Juiz de Alçada do TJ de São Paulo,
de onde saltou, por indicação de Mario Covas (ora vejam só!), para
o TJ/SP. No pulo seguinte, foi nomeado por Lula para o STF.
Lembrei-me disso e esperei o julgamento do primeiro petista. Bingo!
Lewandowski descantou o verso. Enquanto escrevo este artigo,
especula-se sobre os dois próximos votantes - Ministra Rosa Weber e
Ministro Luiz Fux. Nomeados por Dilma. Terá Dilma decidido assuntos
tão importantes para Lula sem ouvi-lo? Terão aberto voto antes da
nomeação? Conjeturas, conjeturas... Cabíveis, no Brasil. Vem-me à
mente o fato de a ministra ser oriunda da Justiça do Trabalho. Sua
relação com o mundo do Direito Penal deve ser ainda menos amistosa
do que com o mundo do Direito Constitucional. Que dirá ela? E que
importância terá o que diga, tirante seu direito a voto e o apoio
que possa estar recebendo de assessores? Próximo! Boto o olho em
Dias Toffoli, ex-funcionário do PT na Câmara dos Deputados,
ex-advogado do PT em campanhas presidenciais, reprovado em dois
concursos para magistratura paulista, ex-Advogado Geral da União,
alçado por Lula ao Supremo em setembro de 2009, quando a Ação
Penal 470 já rolava por lá havia bom tempo. Com dois dedos de
consciência teria feito com eles um X sobre os lábios e ido para
seu gabinete, tão longe quanto possível da encrenca.
Em relação ao que vai
acontecer, extraio uma única certeza. Continuará livre, leve e
solto, com habeas corpus permanente, esse miserável modelo político
que primeiro elege o governante e depois o conduz a adotar uma base
parlamentar teúda e manteúda (*).
* Expressão
do português antigo. Eram o particípio presente dos verbos ter e
manter. Ficou preservada na forma feminina, através dos tempos, para
representar, unicamente, a figura da concubina, tida e mantida, por
seu amante.
______________
*
Percival Puggina (67)
é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org,
articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país,
autor de Crônicas
contra o totalitarismo;
Cuba, a tragédia da
utopia e Pombas
e Gaviões
Recebido por e-mail.
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